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PERFIL? SÓ SE FOR DAS REDES

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Eu sou alguém (além do medo)

Escrever um perfil não é uma tarefa fácil. Sempre pensei muito em como é difícil resumir uma vida em algumas laudas, ainda mais a vida de quem ainda nem viveu tanto assim. Como investigar tudo? O que merece uma menção? Mas todo mundo tem uma história

à espera para ser ouvida. Mesmo que daqui a 20 anos ela mude um pouco. Uma das certezas que temos é que não há como mudar o passado - e dele Denise Dias não tem medo.

ANTES DE TUDO

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Denise em sua primeira balada da vida. Foto: arquivo pessoal

A não ser pela fobia, Denise é uma jovem de 21 anos que leva a vida com tranquilidade, como a idade pede que seja. Ela não se abala com coisas pequenas; prefere focar nos sentimentos mais sólidos e em tudo o que já conquistou na pouca idade que tem.

 

Quando a conheci, tive a impressão de que ela não seria capaz de machucar nem um mosquito. “Eu mato sim”, ela me confessou depois sobre os mosquitos. “Quando eles me irritam”, justifica. Minha teoria ainda pode estar certa; afinal, quem não age em legítima defesa? 


Sem avacalhar o texto, tive esse julgamento porque percebi, nos primeiros contatos, que Denise era muito empática. No sentido de que ela pensa duas vezes antes de fazer algo que possa machucar alguém. Depois, ela me disse que adquiriu essa característica - óbvio, ao longo da vida - mas, principalmente, fazendo psicoterapia. E cá entre nós: escrever sobre alguém que fez terapia parece até mais organizado, não?


Nem tanto. O corpo e a mente de Denise sofrem sempre que encontram um cachorro na rua, num restaurante, num shopping, em qualquer lugar. O pior é quando eles latem.


"O cachorro me deixa agitada, triste, insegura, ansiosa. Tem gente

que tem medo da mordida do cachorro, eu não. O que me assusta é

o latido, soa como algo violento pra mim, algo que me machuca por dentro. É só ele latir e avançar que eu já começo a sentir coisas ruins."


Denise procurou a terapia pela primeira vez, em 2018/2019, para tratar da ansiedade que prejudicava a sua vida e aprender a lidar com a fase de vestibulares. Mas só em 2020 procurou ajuda psiquiátrica para a cinofobia (fobia de cães). 


— Então, antes disso, você nunca tinha procurado um profissional?
— Não, porque achava o medo normal. Eu sentia e conseguia controlar, não tirava a minha qualidade de vida. 
— E quando percebeu que precisava de ajuda? 
— Quando perdi minha segurança, minha qualidade de vida, o direito de ir e vir. Quando virou fobia.

DO AVESSO

Denise é uma mulher de frases feitas e clichês. Não que isso seja ruim. Quem não gosta de um clichê?. “Se tiver medo, vai com medo mesmo” e “Se tem desconforto é porque tem crescimento” são algumas de suas máximas favoritas.

 

Muitas coisas fizeram Denise reavaliar tudo e todos. Até a própria fobia a fez mudar de pensamento desde muito nova. Julgar menos, ela diz. Amadurecer mais rápido. “A terapia me ajudou muito”, faz questão de pontuar. 


Ela é realmente muito boa com as palavras. Fico pensando que ainda bem que decidiu mudar de sonho e entrar na comunicação. Antes, ela pensava em ser engenheira. Pergunto o porquê: “Minha escola incentivava muito duas carreiras: medicina e engenharia. O cursinho força muito a pensar somente nelas”, relembra. 


Triste realidade. E Denise entrou nela porque ganhou uma bolsa de estudos. Ter ótimos boletins e histórico exemplar a ajudaram a sair da sequência de escolas públicas e entrar num colégio particular da zona sul de São Paulo. Para ela, outra realidade. Outras pessoas. Outra bolha, como costuma dizer.

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"A pessoa que mais amo no mundo é minha mãe", declara Denise. Foto: arquivo pessoal

Apesar de morar a 100 metros da Avenida Paulista, Denise não se considera parte da elite que habita a região da maior avenida da América Latina. A família mora num apartamento super disputado graças ao trabalho do pai de Denise, que é zelador do prédio.

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Como de praxe, todo zelador tem direito à moradia sem custos de condomínio. O Sr. Damazio é o responsável por essa garantia da família. Já Dona Ilma, a mãe, é cuidadora de idosos, e trabalha numa residência perto de onde moram. Denise tem um irmão mais novo, o Bruno, de 18 anos. 

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“Ele é louco pra fazer tatuagem”, conta Denise sobre o irmão. Quando perguntei porque ele nunca fez, se tem vontade, a estudante me explica que não é tão simples quanto parece: em casa, tatuagem, drogas e bebidas alcoólicas são um tabu. Quase nunca são comentados. Por causa disso - e de outras coisas -, Denise cresceu condenando quem bebe e fuma. Para ela, quem fazia as duas coisas não prestava. 


— Depois vi que não era bem assim, não é porque a pessoa fuma cigarro e bebe pra caramba que ela não presta. Não é por isso que ela é ruim. Eu entendi que são coisas que as pessoas procuram pra escapar. Eu escapo lendo um livro, ficando com a minha família, ouvindo uma música, mas cada um tem a sua forma. Foi um dos preconceitos que eu desconstruí — explica.

A.M.I.G.O.S

Quem nunca se sentiu sozinho que atire a primeira pedra. Mas Denise teve essa sensação por diversas vezes durante a escola. Para ela, parecia difícil se identificar com alguém. “Sempre fui de poucas amizades”, define. “Já quebrei muito a cara, por gostar muito e a pessoa não reconhecer o meu valor”, desabafa Denise. Sim, ela estava falando de amizades.

PAPO DE FUTURO

Voltando à comunicação, Denise começou recentemente o curso de Relações Públicas na faculdade. Ela trabalha como auxiliar de captação na mesma instituição de ensino em que está estudando, na zona sul de São Paulo. A bolsa foi um combo: mérito de Denise - por ter passado no vestibular -, a oportunidade que se abriu como uma janela em um início de manhã de verão e a necessidade de a instituição praticar “filantropia”. 

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Sim, Denise sai sorrindo em todas as selfies que tira em seu celular. Foto: arquivo pessoal

Uma chance para não ser desperdiçada. Denise não conseguiria pagar a faculdade sem uma ajuda ou política de acesso. Em janeiro de 2021, ela fez o ENEM pela quinta vez, em busca de uma vaga na universidade e de uma luz para fazer escolhas. Nem sempre quis estudar comunicação.

 

Já pensou em ser professora, veterinária, dentista, química - porque era a melhor da sala na matéria -, engenheira e psicóloga. “Como eu ia ser veterinária se tenho medo de animais?”, diz Denise, rindo do sonho de infância. Agora as Relações Públicas venceram. 

 

"Sabe quando a pessoa tá perdida e se encontra no meio da bagunça? Eu me perdi pra me encontrar. Quero fazer a diferença no mundo pela comunicação. Hoje, ninguém escuta ninguém. Quando eu te escuto, deixo você desenvolver suas habilidades. Quero plantar essa sementinha de empatia e humanidade nas pessoas."​

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E então: ainda bem que desistiu de fazer engenharia! A comunicação lhe cai bem. Denise é a primeira pessoa da família a cursar o ensino superior. Quando se encontra uma pessoa com esse feito, é preciso escrever algo sobre ela, porque vale o registro. Para mim, esses “recordistas” são sobreviventes, de algum jeito, em algum momento.


Na escola, Denise foi tímida. Nem parece a mesma pessoa que está em minha frente, ela me diz, me contando sobre a própria vida de apenas 21 anos. Quieta, sem muitos amigos, mas esforçada.

 

No colégio particular, teve que correr atrás do prejuízo: para acompanhar a turma, ela ralava o dobro e compensava o que não teve na escola pública. Não era a favorita dos professores, mas amava alguns de graça. Como amava a Química. E como as coisas mudam...

SEGUIR NO INSTA É AMOR

Prioli e Yousafzai. Sim, Denise tem duas ídolas: Gabriela Prioli e Malala Yousafzai. Tão diferentes, não é? Ou não. Não deve ser somente as duas, Denise deve ter admiração por mais figuras, além da mãe, mas não cheguei a perguntar. Acho que podemos combinar em parar aqui. São dois grandes nomes, duas mulheres bastante faladas neste século.

Ao menos ela se espelha nas pessoas certas? 


Aliás, ela já leu os livros das duas ídolas: “Eu sou Malala” e “Política é para todos”. Inclusive, segue e acompanha os conteúdos que Gabriela Prioli posta no instagram. No fim, a literatura de não-ficção ganha o coração de Denise. 


— Nada de ficção?
— Hm, não gosto muito. Já li, mas não me prendeu.
— Por quê?
— Não me identifico tanto. Com livros assim, me enxergo mais, aprendo mais.

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Denise não é amante dos filmes; já dos livros, falta espaço para falar de todos. Foto: arquivo pessoal

Por livros “assim”, Denise quis dizer livros de autoajuda e autoconhecimento. Neste momento, o exército de leitores anti-autoajuda - se é que ele existe - está preparado para cancelar a menina.

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Ela já leu “A sutil arte de ligar o foda-se”, “Quem tem medo do feminismo negro?” e “Inteligência emocional: a teoria revolucionária que redefine o que é ser”. Uma lista e tanto. Começo a entender de onde vem tanta compreensão e empatia de uma pessoa só. Talvez todos devêssemos ler mais autoajuda? E alguns manuais?

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Em seu instagram, Denise Dias compartilha dia sim, dia sim frases motivacionais e pensamentos em pílulas. Aliás, no usuário de seu perfil ela já demonstra bom humor, brincando com seu sobrenome: @denisedays é o @ na rede social. 

VEREDITO

Poderíamos chamar Denise de “perfeita”. Ela tem - e acredita veementemente ter - atributos invejáveis na vida e no trabalho: educada, empática, compreensiva, sabe ouvir, não leva críticas para o lado pessoal, trabalha bem em equipe.

 

A verdade é que todos querem ser Denise. Ela até parece de mentira. Como quando alguém de muito bom coração entra num reality show e o público logo desconfia se a pessoa é realmente como se apresenta. Saímos em busca de um passado obscuro e algo que possa destruir a imagem perfeita que fora construída. Não conseguimos mais aceitar a bondade?


Talvez tenhamos inveja de Denise, porque ela é o que gostaríamos de ser. Ela mostra que ainda há esperança - e eu acredito. Mas, uma coisa posso afirmar, mesmo não tendo perguntado a ela nas duas entrevistas para redigir este perfil. Se você desejasse quem ela é, ela não deixaria que dissesse isso.

 

Apesar de gostar de quem é e de não se trocar por ninguém, Denise sabe o que passou - as coisas que me contou e as que não chegou a me contar - e ainda passa. Ela tem uma fobia. A cinofobia. O medo de cachorros. Qualquer cachorro. Quando você a vê, não consegue enxergar este medo.


Voltando da entrevista em um domingo, tive de fugir com ela de três cachorros que passavam ao nosso lado na rua. Denise não tem a vida perfeita. Ela também sofre. Às vezes calada. Mas, ainda assim, pode ser nossa esperança. Denise é um pouco de tudo, e todo mundo, no fundo, quer um pouco de Denise. Tirando a parte do medo, talvez.

 

Como diz Eliane Brum: quem é Denise Dias? Vocês decidem.

BATE-BOLA

O QUE TIRA VOCÊ DO SÉRIO? Desrespeito, seja comigo ou com outras pessoas; falta de profissionalismo; egoísmo e falta de espírito coletivo; e “quando as coisas não saem do meu jeito”.

 

O QUE MAIS VALORIZA EM UMA PESSOA? A maneira como ela trata as outras pessoas.

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ACORDO TODOS OS DIAS PARA...me aprimorar, estudar e ser melhor como pessoa. E sei que isso vai deixar meus pais felizes. Eles falam que sou a filha que pediram a Deus. Quero dar uma vida confortável para eles. Sou a primeira pessoa da minha família a cursar o ensino superior.

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